domingo, 24 de maio de 2015

Mouraria, Berço do Fado

De bairro da fadista Severa a bairro de etnias


A Severa, mítica fundadora do Fado, encantou, com sua voz, os frequentadores de tabernas da Mouraria, Bairro Alto e Alfama; da praça de touros de Santana e de salões da nobreza. A sua relação amorosa com  o Conde de Vimioso - Conde de Marialva na ficção novelesca de Júlio Dantas -  escandalizou setores conservadores da sociedade e deu-lhe fama.

"Foram dar com ela descansadamente no poial da porta, a cantar o fado, de guitarra nas unhas. Mas tão milagrosamente, com tanto coração em cada nota, numa voz tão molhada de lágrimas e cortada de soluços, que a guarda, suspensa, ficou a ouvi-la, sem lhe tocar, abrindo um círculo em volta dela, numa imobilidade absoluta e num silêncio pasmado".


A Rua do Capelão já existia no século XVI. O nome advém de "um oratório armado numa parede, com frente à rua, e que merecia a maior devoção aos habitantes do sítio; às tardes, a população reunia-se, e rezava em conjunto deante da imagem".

O Fado e a Rua do  Capelão
A ligação da rua ao Fado prende-se com o fato da Severa ter vivido e morrido nela. Fernando Maurício, outro conhecido fadista, também foi morador na rua. Amália Rodrigues, a maior fadista de todos os tempos, imortalizou  a artéria com o fado:

Ó rua do Capelão
Juncada de rosmaninho
Se o meu amor vier cedinho
Eu beijo as pedras do chão
Que ele pisar no caminho.

Tenho o destino marcado
Desde a hora em que te vi
Ó meu cigano adorado
Viver abraçada ao fado
Morrer abraçada a ti.


Alguém sabe quem foi Carmona Rodrigues, presidente da CML?  Mas o nome dele, sem relação relevante com o fado, consta - para quê - no monumento ao "Fado, património imaterial da humanidade".


A Severa, fadista e prostituta, viveu  e morreu no prédio à direita, atual nº 36 da Rua do Capelão.


"Nesta casa viveu Maria Severa  Onofriana considerada na época a expressão sublime do Fado. Faleceu em 30-11-1846 com 26 anos de idade". Homenagem da CML


Largo da Severa
A figura da fadista, morta devido a uma infeção de tuberculose, foi romanceada por Júlio Dantas na novela "A Severa", obra adaptada a peça de teatro em 1901. Amália Rodrigues, no papel de Severa, em 1955, numa reposição de um filme de Leitão de Barros, popularizou-a.


A Mouraria mantém vivas as suas antigas tradições populares, graças à existência de várias casas de fado, bares, tabernas e coletividades desportivas e culturais.


Restaurante Zé da Mouraria - Goza da fama de servir boa comida tradicional portuguesa.
 
Ai Mouraria
da velha Rua da Palma,
onde eu um dia
deixei presa a minha alma,
por ter passado
mesmo a meu lado
certo fadista
de cor morena,
boca pequena
e olhar trocista.
Ai Mouraria
do homem do meu encanto
que me mentia,
mas que eu adorava tanto.
Amor que o vento,
como um lamento,
levou consigo,
mais que inda agora
a toda a hora
trago comigo.
Ai Mouraria
dos rouxinóis nos beirais,
dos vestidos cor-de-rosa,
dos pregões tradicionais.
Ai Mouraria
das procissões a passar,
da Severa em voz saudosa,
da guitarra a soluçar.

Amália Rodrigues


O nome do bairro, Mouraria, advém de ser habitado por mouros muçulmanos que permaneceram em Lisboa após a Reconquista Cristã da cidade.


Barbearia de imigrante decorada com divindades do hinduísmo.


Rua da Mouraria e, ao lado esquerdo,  o Centro Comercial.

Estabelecimento comercial chinês na Calçada da Mouraria.

Chineses, paquistaneses, indianos, imigrantes do Bangladesh e negros das ex-colónias portuguesas são os habitantes que hoje povoam a Mouraria, dando-lhe um colorido étnico e cultural próprios, com sabores e aromas diferentes.


Portal manuelino na Rua da Mouraria


Desde a Reconquista de Lisboa  até à construção da Muralha Fernandina, em 1373, a Mouraria, ficou num arrabalde  da Cerca Moura.  A partir do século XIV, é que ficou dentro da muralha que desce do castelo de São Jorge ao Martim Moniz.


Escadinhas da Saúde - Partem do Largo do Martim Moniz,  junto à igreja,  para o castelo. e a Graça.

Esta foi a Mouraria que descobri no dia Primeiro de Maio de 2015. Voltarei. Lisboa está uma cidade encantadora.